A necessidade existencial de se iludir


A desmistificação das ilusões conduz-nos ao nada. Em contrapartida, mostra-nos a capacidade inventiva do homem — é aí que nos vemos como criadores de valores.

As ilusões são úteis no sentido de oferecerem princípios que norteiam a existência. Algumas podem impulsionar o processo de desenvolvimento, de superação e fortalecimento do homem, outras ilusões atuam no sentido inverso, servindo para adoecer a humanidade e para enfraquecê-la. Por isso, torna-se necessário identificar quais são os valores decadentes, quais são as ilusões que empobrecem, e quais são as que enriquecem e fortalecem.

O niilismo, ou seja, a desmistificação da metafísica, a desmistificação das ilusões construídas, é o primeiro passo para situar o homem como criador de valores, de crenças, e de princípios que norteiam a existência. Contudo, ao chegar nesse estágio de desconstrução, é necessário dar um passo adiante rumo à transvaloração de todos os valores, caso contrário, dificilmente os homens suportariam a dureza do nada — o caos seria inevitável.

Mentiras úteis são necessárias, porém, existem mentiras que empobrecem, que situam o homem em um plano secundário, colocando o "além-mundo" e "Deus" em primeiro plano, reduzindo o homem e a realidade a algo inferior ao surreal. Outras podem atuar em um sentido inverso, como é o caso do ubermensch e do eterno retorno.

Sem buscar a superação constante de si, caindo no imobilismo niilista, na aspereza do nada, não nos diferenciaremos muito de cadáveres ambulantes. Por isso certo nível de ilusão é necessário para a vida pulsar com maior intensidade.

Os que perdem a capacidade de se iludir, estão condenados a viver com o vazio do nada. É possível sair disso. No Assim Falava Zaratustra, Nietzsche apresenta as três transformações do espírito: Camelo, Leão e Criança. Para criar valores novos, é necessário recuperar a criança que há em si mesmo, que é a "inocência e esquecimento, um novo começar, um brinquedo, uma roda que gira por si própria, primeiro móbil, afirmação santa", pois "para jogar o jogo dos criadores é preciso ser uma santa afirmação; o espírito quer agora a sua própria vontade; tendo perdido o mundo, conquista o seu próprio mundo". Nessa transmutação, deixamos de ser como camelos que carregam nas costas os fardos do mundo, nos livramos do peso da existência, tudo se torna leve ao aderir o espírito brincalhão da criança, encarando a vida de forma lúdica. Mas há sempre quem prefira ser um camelo, ou burro de cargas — estão apegados a essa condição.


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